Qual o segredo de uma boa carta de amor?

Carta de Fernando Pessoa para Ofélia Queiroz

Não ter vergonha de demonstrar sentimentos, planos e desejos? A resposta está no livro que reúne pela primeira vez, a totalidade da correspondência amorosa (1919-1935) entre o poeta português Fernando Pessoa (1888-1935) e sua única namorada, Ofélia Queiroz (1900-1991), com transcrição integral e reprodução em fac-símile, publicado pela Editora Capivara.

Os dois se conheceram no final de 1919 em um escritório comercial, em Lisboa, onde Ofélia, então com 19 anos, trabalhava traduzindo cartas de negócios para o inglês. Pouco depois do primeiro encontro, em fevereiro de 1920, o poeta, enamorado pela primeira vez na vida, fez uma cena digna de folhetim, ao declarar, melodramaticamente, seu amor pela garota em uma tarde de inverno em que os dois estavam a sós no escritório.

“Fiquei louco, fiquei tonto,

Meus beijos foram sem conto,

Apertei-a contra mim, 

Enlacei- a nos meus braços,

Embriaguei-me de abraços,

Fiquei louco e foi assim.

Dá-me beijos….”

Ofélia fugiu apavorada para casa. Mas cá entre nós, adorou a cena. E escreveu a primeira carta: 

Carta de Ofélia para Fernando Pessoa, correspondência amorosa

 

“Penso muito em vós e sinto que estou traindo um rapaz (seu noivo na época) que me adora. Por isso, vou ser franca: temo que esses espasmos de amor da sua parte sejam passageiros. Se Fernandinho nunca pensou em ter uma família, peço-lhe que me diga”. 

Pessoa respondeu assim aquela mensagem clara e incisiva: 

“Quem ama de verdade não escreve cartas que parecem requerimentos de advogados. O amor não estuda tanto as coisas, nem trata os outros como acusados”.

Fernando Pessoa, dono de uma vida discreta, trabalhou em escritórios comerciais, teve seus namoros com as ciências ocultas, morreu solteiro e deixou milhares de páginas de inéditos em um baú. Maior poeta da língua portuguesa desde Camões, assinava com diversos heterônimos, os mais marcantes: Alberto Caieiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, que também se arriscou a falar sobre cartas de amor:

Também escrevi, no meu tempo, cartas de amor como as outras, ridículas. As cartas de amor, se há amor, têm de ser ridículas. Quem me dera o tempo em que eu escrevia, sem dar por isso, cartas de amor ridículas. Afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas”.

Em um poema assinado por Alberto Caeiro, o poeta dizia que as únicas informações públicas relevantes sobre sua vida eram as datas de nascimento e morte, fora delas, tudo pertencia a ele. Parece que a história não cumpriu o desejo de Caeiro, pois Fernando Pessoa é hoje um dos mais lidos e estudados poetas do seu tempo.

Fernando Pessoa & Ofélia Queiroz – Correspondência amorosa completa